O CNE fez um “trabalho de casa” muito interessante sobre os professores em Portugal. A comunicação social deu-lhe destaque pegando na questão da burocracia do corpo docente. Sobre esta questão e para ficar já arrumada, há muito que proponho que se aplique algo semelhante a um orçamento 0, ou seja, uma análise departamento a departamento, cargo a cargo, papel a papel, vista e revista, ponderada, questionada e mantida, se e só se, for imprescindível para o desempenho docente e melhoria do sistema educativo.
Mas a profissão docente e suas políticas é muito mais do que isso. O CNE começa por realçar o perfil do docente atual e do qual realço o envelhecimento, o desperdício de matéria qualificada e sua precariedade.
1. Envelhecimento crescente e constante do corpo docente das escolas;
4. Número expressivamente crescente de educadores de infância e de professores sem colocação, devidamente profissionalizados, muitos dos quais com vários anos de serviço;
7. Emergência de situações de precariedade no exercício das funções docentes em todos os níveis de educação e de ensino, situação que provoca instabilidade profissional e institucional.
O CNE faz de seguida referência aos factores que condicionam a função docente, do qual destaco:
1. Ao nível das turmas, programas e relação com os pares: o aumento do número de alunos por turma, a heterogeneidade da sua composição quanto a níveis etários, de conhecimento, culturas, valores e motivação exigem atenção pedagógica acrescida, tornando mais constante o dilema entre a necessidade de tornar o ensino mais individualizado e a ausência de condições para o fazer;
2. O alargamento da escolaridade obrigatória: a escola para todos, frequentada por alunos com interesse e sem interesse em aprender, com expetativas elevadas e sem expetativas, exige uma acrescida responsabilidade para assegurar a equidade nas aprendizagens;
3. A organização do horário: a duração, distribuição dos tempos letivos e gestão das componentes letiva e não-letiva, têm implicações na racionalidade das práticas pedagógicas;
4. A multiplicidade por vezes contraditória de referências curriculares: a sua aplicação condiciona de certo modo a autonomia individual, profissional e organizacional;
5. A introdução de novas formas de encarar a organização escolar e o agrupamento de escolas: as novas estruturas escolares e pedagógicas põem em confronto visões e culturasprofissionais diversas e obrigam a reposicionar as relações interpares, do trabalho individual para o trabalho colaborativo (disciplinar e multidisciplinar);
6. A avaliação – prestação de contas: a relevante complexidade da sua aplicação nos diferentes domínios das avaliações interna e externa associada à necessidade de articular estas avaliações entre si, de modo a induzir melhorias nas aprendizagens dos alunos;
7. Novos procedimentos administrativos: tarefas impostas pela organização escolar; uso das Tecnologias da Informação e Comunicação na gestão administrativa e pedagógica;
8. Novas atividades definidas em contexto escolar: decorrentes da regulamentação da componente não letiva e a obrigatoriedade de permanecer mais horas na escola para apoiar o estudo, acompanhar as atividades dos alunos, realizar coadjuvações e garantir tutorias ou reforço curricular, entre outras;
9. O reforço da exigência na relação com os pais: ao nível da comunicação e da colaboração, bem como da obrigatoriedade e importância de enviar informação escrita e fundamentada sobre o percurso escolar do aluno, dada a diversidade sociocultural dos pais e o nível de expetativas que estes têm sobre os seus educandos;
10. Novas relações com o meio: o poder local e a articulação no exercício de competências; as instituições de ensino superior e a partilha de conhecimento; as instituições socioculturais e o estabelecimento de parcerias – a comunidade como recurso.
E termina com 10 recomendações, das quais destaco:
1. Recentrar a missão e a função docente no processo de ensino/aprendizagem, o que implica definir, com clareza, as funções e as atividades que são de natureza letiva e as que são de outra natureza, substituindo os normativos vigentes sobre esta matéria por um diploma claro, conciso e completo.
2. Assegurar como parte integrante do trabalho do professor uma componente destinada ao uso e desenvolvimento, individual e coletivo, de processos de ensino e de aprendizagem de alta qualidade e de metodologias de investigação que proporcionem uma permanente atualização.
3. Promover a instituição de redes de reflexão e práticas colaborativas, nas quais os professores trabalhem em torno do conhecimento específico da sua área disciplinar, da didática e da pedagogia.
4. Diminuir as tarefas burocráticas que ocupam tempos necessários para assumir em pleno as funções docentes, exigidas pela nova realidade pedagógica criada pelos agrupamentos e escolas.
5. Ter em conta na determinação do serviço docente a evolução profissional, valorizando o conhecimento e a experiência profissionais e reconhecendo a necessidade do trabalho em equipa, introduzindo medidas estimuladoras na base de um projeto pedagógico contratualizado e avaliado.
6. Garantir condições de estabilidade, designadamente profissional, a todos os docentes e o acesso a uma carreira reconhecidamente valorizada.
7. Reconsiderar as reduções de serviço por antiguidade e o modo como as horas de redução são preenchidas, para evitar atividades profissionalmente ainda mais exigentes.
8. Definir atividades específicas a desenvolver pelos professores nos últimos anos da sua carreira, no domínio da formação, da supervisão pedagógica e da construção de conhecimento profissional, entre outros.
9. Repensar a mobilidade profissional vertical e horizontal, entendida como a possibilidade de lecionação noutro nível de ensino, consentânea com as necessidades dos alunos e com as qualificações dos docentes.
10. Promover um processo de formação contínua que articule e torne coerente o desenvolvimento profissional docente com os permanentes desafios colocados à escola.
Muito falta fazer pelo professores e consequentemente pela escola…
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