Se Joana Cabral dá aulas à distância desde as férias do Natal, devido ao elevado número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus em Pinhel, no distrito da Guarda, Carlos Silva continua a ir para as salas de aulas da Escola Básica e Secundária da Calheta, na Madeira. “Para já, estar cá é uma vantagem”, diz o professor de Português e História, de 29 anos, natural de Barcelos. Tal como em 2020, está a substituir um docente, em horário completo. Não sabe ainda quando o colega voltará.
“Os alunos ficam radiantes, porque é um professor novo na escola e um professor novo. Não sou propriamente uma pessoa muito alta e eles ficam surpreendidos quando vêem uma pessoa quase do tamanho deles a entrar na sala”, brinca. “Tenho uma alma jovem e consigo interligar-me bem com os alunos. E eles também conseguiram ganhar dinâmica e perceberam o momento.” Num ano lectivo histórico, é dele a tarefa de enquadrar o momento. “A História acabou por ser mesmo uma história e notei uma boa participação neste estilo de aula diferente”, comenta.
O esforço que os professores fazem para se manterem atentos às tendências dos estudantes é mais natural para estes jovens, que não viram os filhos jogar Among Us — antes, foram eles que andaram atrás de impostores numa nave espacial: “Para descobrires o impostor no jogo, fazes as perguntas do lead de uma notícia — ‘quem?’, ‘onde’. Apercebi-me disso a jogar e foi assim que ensinei esta parte da matéria, por exemplo.”
Para Cristiana Sousa, professora há apenas dois meses, as aulas à distância são o normal. “Acredito que para professores com mais anos de serviço seja uma diferença mais notória, porque estavam habituados a textos em papel, a actividades reutilizadas de outros anos, mas eu não. Acaba por ser uma mais-valia, principalmente para a minha idade, poder adaptar de raiz um texto a um powerpoint , uma actividade a um Google forms .”
Os alunos do 5.º e 6.º anos de Joana Pimenta também já lhe agradeceram a introdução de novas ferramentas digitais nas aulas, especialmente quando aprendem através de um computador. Nos dez minutos de revisão com que começa todas as aulas, a professora usa vídeos ou recorre a plataformas de aprendizagem baseada em jogos, como o Kahoot! . “Amanhã vou dar aulas e para fazer a revisão vou experimentar uma roleta que retira perguntas à sorte. Eles gostam destas coisas diferentes, em vez de estar apenas a debitar a matéria”, apercebeu-se.
Auto-avalia-se como sendo “a professora que tenta chegar mesmo a todos os alunos ”. Com crianças que nunca tinham mexido num computador , e outras que não têm acesso a computadores ou smartphones , os professores continuam a imprimir fichas que os encarregados de educação entregam novamente na escola, para serem corrigidas. “Às vezes, vou dormir e sinto-me frustrada, porque parece que não consegui chegar aquele aluno ”, lamenta.
“A tecnologia não é a solução para tudo. Pode até dificultar a concentração. No fundo, são miúdos que estão à frente de um computador”
Quando a sala de aula passou para o quarto que arrenda em Lisboa, no segundo apartamento desde que se mudou para a capital “das rendas absurdas”, e com as obras no andar de cima como pano de fundo, comprou um tablet . “Instalei vários programas destinados a professores e tenho divulgado novos métodos [a colegas]. Muitos deles adoraram e também já compraram o iPad e começaram a usar as aplicações”, diz.
Os professores com quem o P3 falou usam ferramentas novas para tentar cativar os estudantes no meio “de currículos cada vez mais confusos”. Nascidos na era da Internet , não acreditam que a proficiência em novas tecnologias os torne melhores professores do que colegas com dificuldades técnicas. “Não é a solução para tudo. Pode até dificultar a concentração. No fundo, são miúdos que estão à frente de um computador”, resume Cristiana Sousa. Eles também não seguiram o que dizem ser a sua vocação para estarem sentados numa secretária, longe dos alunos, lamenta Joana Cabral. “Têm sido muitas horas à frente do computador. É mais cansativo, sim. Parece que não conseguimos dar o melhor de nós, mas na realidade é o melhor que conseguimos de momento.”
Professores novos e novos professores
Todos os dias, Joana Pimenta fala com as colegas de curso. Formam uma rede informal de professores jovens e discutem a experiência em diferentes escolas. “No início, estava a tentar a adaptar-me a ser uma nova professora, não pensei muito sobre ser uma professora nova”, acrescenta.
Em três anos de docência, passou pelo Cacém, São Miguel, Terceira, Algarve. A intermitência torna difícil formar novas amizades e impõe intervalos longos a relações antigas. “É uma das muitas incógnitas da minha profissão. Nunca fiquei em horário completo anual, estou sempre a substituir”, diz, colocada a 400 quilómetros de casa.
Natural da mesma cidade que Carlos Silva, não se sente tão confortável com as deslocações como o professor na Madeira, que já começa a imaginar-se “como os colegas que vieram há 30 anos e ficaram” [na ilha]. “Não quer dizer que a forma como vejo a profissão tenha mudado, mas no início tinha mais vontade de agarrar na mochila e ir para onde quer que seja”, diz Joana Pimenta. “É tudo muito incerto e não me deixa avançar muito na minha vida, porque não sei se para o ano terei trabalho”, corrobora Joana Cabral.
A indefinição soará familiar a muitos jovens a iniciar carreiras em diferentes áreas. “Não é um segredo. Se calhar, em determinadas profissões, diz-se que não andam muito bem, mas não se tem a certeza. No ensino está à vista de todos”, constata Cristiana Sousa, 24 anos, professora do 2.º ciclo num colégio no Porto.
Ensina Português, uma das disciplinas “com os professores mais experientes” e mais envelhecidos, aponta o perfil do docente 2018/2019 . “Temos sempre esperança que o sistema melhore. Também falam que há muitos professores a caminho da reforma, o que vai exigir mais professores”, observa. A OCDE diz que metade dos professores portugueses vão precisar de ser substituídos na próxima década. “Claro que falamos das mais-valias no rejuvenescimento da profissão, em todas as profissões”, diz Cristiana, “mas sentimos que os professores que estão lá são muito capazes.”
Sentada nas aulas do mestrado em Ensino no Porto, com colegas que vieram de outras universidades que não abriram o curso por falta de candidatos, Cristiana apercebeu-se do desafio que será atrair e formar um número elevado de professores nos próximos anos. “Já não há alunos que queiram ser professores”, resume. “É aí que sentimos a realidade”, exemplifica, quando perguntam se um trabalho terá de ser feito em grupo e o director do mestrado responde que, se “há uns anos, teriam de se organizar em grupos de cinco”, nos anos mais recentes “não lhe custa nada corrigir dez trabalhos”.
Para Margarida Domingues, a renovação da classe e das escolas não se pode ficar pela faixa etária. “Não podemos pedir a professores novos que entrem nas escolas e depois obrigá-los a aplicarem pedagogias tradicionais, como ainda são praticadas em tantas escolas. Ainda mais quando, na maior parte das escolas superiores de Educação, já se ensina que não é esse o método ideal”, acredita.
Depois da licenciatura em Educação Básica, a educadora de infância e actualmente assessora de educação num colégio privado em Lisboa fez um estágio de observação numa escola para perceber a que idades se queria dedicar. “E foi aí que percebi que adoro a dinâmica de uma sala de 1.º ciclo, mas os modelos em que a educação é tão programada e rígida fizeram-me escolher ir para educadora, em que o programa é muito mais flexível”, explica.
Mais do que um desejo de jovens (e não só) à procura de uma colocação estável e progressão na carreira, a renovação da profissão é uma “necessidade”, dizem os colegas mais velhos de Joana Cabral, muitos deles com mais anos de serviço do que ela de idade. “Incentivam-me muito. Dizem-me que vou ter sorte, porque há muita falta de professores de Geografia e porque entrei numa altura boa. Comentam que a escola precisa deste rejuvenescimento: que os alunos ficam mais motivados, que temos outro tipo de força e empenho que eles, por todas as razões, já não conseguem ter.”
Em Maio, Cristiana Sousa planeia concorrer pela primeira vez ao concurso público dos professores. “Tem havido oportunidades. Se vão ser as oportunidades que desejamos? Perto da nossa família? Talvez não. Mas, a longo prazo, talvez sim”, diz. “Decidi ser professora, porque era o meu sonho . No secundário, um professor disse: ‘Vocês têm de escolher uma profissão em que todas as manhãs acordem e se sintam felizes’. E essa foi uma das frases dos meus professores que ficaram comigo.”
Pois é! Queixam-se que não há professores novos, que são todos 50 + e depois quando aparecem colegas novos, o incentivo que recebem é “desiste”!
Quando comecei a trabalhar passei por várias escolas e, com 22 anos, era sempre a mais nova. Estive colocada em aldeias bem escondidas ou em bairros periféricos e complicados como o Bairro da Horta Nova ( quando era formado por pré-fabricados com aspeto de barracas) e no Bairro Padre Cruz, entre outros.
Entretanto tirei outra licenciatura e se alguma vez me passou pela cabeça, desistir? Nunca!
Desistir não é a solução.