Este artigo de Armanda Zenhas é magnífico. Conta uma pequena história de uma ex-aluna que ao tornar-se professora é incapaz de tratar a sua antiga professora apenas pelo nome próprio.
A identidade profissional da professora no olhar de uma antiga aluna
– Não serias capaz de me chamar apenas Anabela? – perguntou Anabela a Margarida.
– Não. Acho que não.
E a justificação de Margarida para esta resposta negativa comoveu tão profundamente Anabela, que esta lhe pediu que escrevesse o que acabava de lhe dizer. Pouco tempo depois de regressar a casa, recebeu o seguinte email de Margarida:
Sim, era como se eu deixasse de chamar Avó Antónia ou Avô Luís e passasse a chamar-lhes somente Antónia ou Luís. Sinto que metade da minha história com essas pessoas, consigo, caso isso acontecesse, era apagada.
Não é o peso do nome, mas o peso da emoção.
Margarida
Anabela leu esta mensagem eletrónica com uma emoção indescritível por palavras, uma emoção reforçada pela beleza e autenticidade com que os sentimentos estão expressos, uma emoção de intensidade redobrada, pois já a sentira antes na conversa citada. Margarida tem hoje 30 anos. Foi aluna de Anabela dos 10 aos 15 anos, no 2º e no 3º ciclos. Anabela era também a diretora de turma. A relação que estabeleceu com toda a turma e respetivas famílias, tão próxima, forte e duradoura, foi-se desenvolvendo a partir de um trabalho relacional, em que a colaboração entre a escola e a família não derivaram de um projeto escrito e aprovado em reuniões, de um projeto avaliado e revisto em mais reuniões, com relatórios a comprovarem o trabalho desenvolvido e atas a atestarem a sua avaliação. Foi, no entanto, um trabalho pensado, refletido, adequado à turma, a cada aluno e a cada família. Um trabalho avaliado no quotidiano e reformulado sempre que necessário, inscrito num projeto firmado por escrito e aprovado pelos intervenientes, com uma carga burocrática mínima: a indispensável. Era um tempo em que a burocracia não esgotava o tempo e as energias dos professores, um tempo em que os papéis e as reuniões não castravam a autenticidade e a plasticidade das relações humanas. Um tempo em que era possível desenvolver um trabalho intencional, ajustado, coerente e criativo. Um tempo em que “viver” era mais importante do que “dar conta de”, sem que tal significasse ausência de prestação de contas.
Anabela adoeceu. Não se reconhece na nova identidade que hoje é atribuída aos professores, de há largos anos desrespeitados por governantes e sociedade em geral, com horários esmagadores, com um número de turmas e de alunos que impossibilitam um verdadeiro trabalho relacional, com exigências burocráticas que se sobrepõem às relacionais que caraterizam o que Anabela considera dever ser um professor.
Os resultados do trabalho de um professor não se veem apenas no presente. Assim o comprova Margarida, que não quer “desvanecer a importância que [Anabela] teve na formação do [seu] futuro”.
Inicio o ano de 2019 com esta mensagem de Margarida para Anabela, uma mensagem que muitos professores merecem ouvir/receber dos seus (ex-)alunos. Faço-a acompanhar dos meus votos para que este seja um ano mais justo para professores e alunos; um ano mais justo para a escola pública, que tanta importância tem na formação de cada cidadão e no futuro de um país, do nosso país.
Armanda Zenhas, in Educare 11-1-2019
gostei
https://duilios.wordpress.com/2019/01/29/fim-de-janeiro-quase-em-fevereiro/
“Remover o “professora” não é remover-lhe um estatuto, mas uma identidade”.
É verdade.