O novo ano letivo está a ser preparado em circunstâncias excecionais e, naturalmente, com uma grande dose de dúvidas.
Mas uma coisa é certa: todos queremos retomar a escola presencial e que ela possa acolher todos os alunos. Não podemos prolongar mais este distanciamento das crianças e dos jovens em relação ao ambiente escolar, aos seus professores, aos seus colegas. Já tivemos oportunidade de verificar os efeitos profundamente negativos deste longo tempo em que milhares de crianças e jovens estiveram fora da escola. E ainda teremos de apreciar o impacto desta situação no seu futuro escolar. É nossa responsabilidade trabalhar muito arduamente desde o início do novo ano letivo na identificação das fragilidades acumuladas, na superação das dificuldades e na recuperação do ritmo do processo de ensino-aprendizagem. E teremos de o fazer em clima de confiança e de segurança.
O Ministério da Educação insiste numa visão idílica de normalidade que só faz crescer as inquietações sobre se estão a ser definidas com rigor as condições em que o ano letivo vai abrir. Todos preferiríamos que o quadro apresentado fosse mais próximo do que objetivamente vai ter de acontecer nas nossas escolas em setembro e, eventualmente, nos meses seguintes…
O Ministério da Educação quer fazer crer que basta anunciar a atribuição de uns milhões de euros aqui e outros milhões de euros acolá, para que se possa garantir que tudo vai correr bem. Não nos convencem estes anúncios, até porque rapidamente concluímos pela sua fraca adesão à realidade ou pela sua clara insuficiência. Mais do que anúncios de milhões, o Ministério da Educação deveria construir a confiança no regresso às escolas, identificando com clareza as condições em que o ano letivo vai decorrer, sem presumir uma normalidade que sabe não poder garantir.
O Ministério da Educação fala da universalização da escola digital e atribui-lhe supostamente 400 milhões (afinal são menos, apenas 360 milhões), mas quer fazê-lo com duas dotações, uma para 2020 e outra para 2021. Parece que o investimento inicial será curto e bem pouco universal. Mas não podemos continuar a ignorar que vai ser mesmo preciso que todos – docentes e alunos – possam dispor de equipamentos e de acessos que lhes permitam trabalhar utilizando as plataformas informáticas, ainda que em complemento da atividade presencial. Para além disso, a garantia do acesso de todos aos equipamentos e às plataformas tem de prever a compensação pelos gastos acrescidos que vão ser exigidos aos que estiverem obrigados à sua utilização para poderem estar em contacto com os seus alunos.
É fundamental ter presente que a especificidade da realidade de cada escola e da sua comunidade educativa será a razão fundamental para que aí devam ser adotados os procedimentos que forem adequados. É preciso que as escolas – as suas comunidades educativas – possam fazer as escolhas que entenderem adequadas. E é preciso que tenham acesso aos recursos físicos e humanos que permitam a concretização das suas opções.
É por tudo isto que a preparação do próximo ano letivo exige que se garantam três eixos fundamentais: apostar na autonomia das escolas, atribuindo-lhes o acesso aos recursos indispensáveis; abrir espaço à flexibilidade no desenvolvimento curricular e à organização pedagógica das escolas; confiar nos profissionais da educação, dando sinais claros dessa confiança.
João Dias da Silva, in Observador, 30-7-2020