O final de ano letivo é sempre uma altura propícia a momentos de alguma tensão, fruto da elevada carga de trabalho e enorme responsabilidade de avaliar centenas de alunos. Todo o professor já participou em conselhos de turma onde a divergência surge, resultado de visões diferentes, todas elas legítimas e que são demonstrativas da responsabilidade com que os professores encaram a avaliação dos seus alunos.
O presente ano letivo não será exceção, mas terá como combustível extra um ensino à distância nunca antes implementado e como tal, nunca antes avaliado.
O Ministério da Educação deu liberdade para as escolas avaliarem como bem entendessem, tendo enviado um roteiro genérico que sinceramente não acrescentou nada de novo.
Nada contra a liberdade e autonomia, mas a coerência é algo pelo qual nutro uma grande afinidade e que costuma nortear as minhas decisões e opiniões. A Tutela quis a todo o custo que não se afirmasse que a avaliação do 3º período/2º semestre era apenas um faz de conta, com o receio que os alunos fugissem todos e os professores dessem aulas a “janelinhas” vazias… Mas se assim é, não pode o secretário de Estado João Costa afirmar como afirmou que o ensino à distância não passa de um remendo, apesar de concordar em absoluto com as suas palavras. Como disse, é uma questão de coerência…
E como a palavra que veio de cima não é coerente, o mesmo se passa nas escolas, que por norma bebem mais das taças que mandam do que das taças que têm em casa.
Vamos assistir por isso a alterações de classificações, baseadas num remendo, discriminatório, injusto e que não reflete em nada o potencial e real capacidade do aluno.
Julgo que é consensual na comunidade educativa que o ensino à distância não serve, pois coloca em causa os pilares da escola pública, uma escola de e para todos. Não quero com isto dizer que existia outra alternativa, o problema é também esse, não existia.
Mas se não serve, por que motivo se altera e aceita que as classificações deste final de ano sofram alterações?
Que garantias têm os professores que foram os alunos a realizar (todas) as tarefas?
Que garantias têm os professores que os alunos tiveram em casa a serenidade necessária para realizar o seu trabalho? Todos já ouviram falar do trabalho infantil que aumentou e das queixas de violência doméstica que subiram mal houve ordem para desconfinar. Acreditam que os alunos são imunes a isso e muito mais?
E depois temos o problema da avaliação contínua, que obriga a que a classificação do 2º período inclua também a do 1º período, ou seja, 2/3 do ano constam na nota do 2º período. O que é mais do que suficiente para ditar a “sorte” ou “azar” de um aluno no final do ano letivo.
Seguindo o meu raciocínio, expliquem-me como é quem um aluno que durante 2/3 do ano em regime de ensino presencial, obtém uma classificação e num espaço de 2 meses, numa espécie de ensino, num remendo, obtêm outra classificação, seja ela para cima ou para baixo?
Mas o aluno trabalhou/não fez nada e participou/não participou nas atividades!
Esse argumento é legítimo e deve ser considerado, mas esse mesmo argumento, seguramente que foi utilizado nos períodos anteriores e sustentou a avaliação atribuída no final do 2º período.
Mas o aluno mudou!
Dou de barato que alguns tenham mudado a sua conduta, mas no geral, acredito que um bom aluno presencial terá sido um bom aluno à distância, tal como um aluno “baldas” terá sito um aluno “baldas” à distância.
A maioria dos critérios de avaliação das escolas não visam o ensino à distância, pois lá está, trata-se de um remendo que afeta apenas 1/3 do ano e se tudo correr bem, ninguém vai levantar essa lebre que até parece ter pernas para correr…
Conclusão:
A avaliação deve ter pilares de ferro, mesmo que flexíveis, com critério, com princípios, conhecida por todos e implementada por todos. Uma avaliação é um momento de justiça, de reflexo do trabalho do aluno, mas ao contrário da justiça que deve ser cega, os professores e as escolas não podem ser, precisam por isso de pesar muito bem se numa tentativa de fazer justiça, não estarão a criar outra ainda maior, pois o que está em causa não é apenas o aluno “A” ou “B”, do conselho de turma “C” ou “D”, o que está em causa é uma coerência avaliativa nacional, equilibrada e que deve ter como premissa a igualdade necessária para avaliar aquilo que é efetivamente diferente.
E se sabemos que não temos nada disso, então para quê complicar?
Alexandre Henriques
Percebo o seu comentário na medida em que a generalidade dos agrupamentos elaborou planos quase totalmente baseados em tarefas assíncronas. Todavia, no agrupamento onde leciono, AE de Carnaxide, construiu-se um plano que foi mais além do “remendo”, sustentado principalmente em aulas síncronas que permitiram, embora que de forma menos profunda, explorar conteúdos, acompanhar e avaliar os alunos. Por exemplo, no 2.º Ciclo, os alunos tinham 18 aulas em videoconferência por semana em proporção aos tempos presenciais, 1, 2 ou 3 tempos, com paragem para o #EstudoEmCasa. A avaliação foi concretizada pela observação da qualidade da participação oral, resultados em questionários realizados no momento, da própria plataforma e outros on-line, e pelo cumprimento de trabalho autónomo. Todos os alunos tinham equipamentos informáticos próprios ou emprestados (alguns foram ensinados a usar). Este período vai ter apenas um peso de 20%, que me parece justo, mas que pode influenciar alguns níveis. Tendo sido criadas condições favoráveis ao ensino à distância (plano bem estruturado, boa plataforma, acrescento de funções no programa INOVAR e alunos dotados de equipamentos), torna-se justo, neste caso concreto, proceder a alterações de avaliação.
Não é essa a opinião da comunidade educativa, colega. É a sua!
Houve muito quem trabalhasse e muito bem. Habituámo-nos a uma nova realidade, implementámos estratégias diferentes, novos instrumentos de avaliação muito bons e muito confiáveis. Houve também os que nada fizeram, limitaram-se a dar a sua “sessão síncrona”; mas acredito que esta nova realidade foi proveitosa em muitos sentidos.Sem dúvida!
Isso não significa que deverá assim continuar!! Deveremos, sim, aproveitar o que de bom aprendemos e fazer uso disso futuramente.
Eu aqui só falo em meu nome e não está escrito que sou dono da verdade. É uma mera reflexão…
Concordo com os comentários anteriores., como concordo com a visão do Alexandre.
Porque é tudo uma questão de bom senso. E nesta altura o bom senso é uma grande ajuda.
Os professores tiveram um enorme trabalho, acima de tudo para manter os alunos “conectados”. E a maioria dos alunos respondeu de forma positiva. Houve casos em que os alunos não puderam participar por motivos mais do que justos e que não se lhes podem ser imputados.
Outros houve que pura e simplesmente não fizeram um esforço, não deram qq justificação e desapareceram porque sim.
E os colegas sabem disso.
Assim sendo, há uma ponderação a fazer em alguns casos na atribuição de 1 classificação final.
Quando em reuniões de CT desço um valorou subo outro valor, olham-me com espanto. “Tens a certeza? Olha que nos foi dito para mantermos tudo como estava….”
Sim, pois, está bem….eu assumo.
Aceito a opinião mas não o argumento. Já o velho ditado diz que “a última gota é que enche o copo”. Um aluno pode ter uma determinada avaliação em 2/3 do ano e 1/3 do ano mudar para cima ou para baixo a mesma. Médias são médias e, comparando, se a viagem dos 2/3 for em terreno plano, o carro gasta pouco; mas, se o 1/3 for sempre a subir, ou a descer, o carro gasta bem mais, ou menos, conforme o sobe e desce. Um aluno que anda perto das fronteiras (em termos de avaliação) pode passar para um lado ou outro facilmente. Não digo que seja aplicável a todos os alunos, mas a uns quantos que todos temos perto dos limites de cada nível.
Também não colho o argumento de só no 1/3 pensarmos que o aluno não teve condições de trabalho e tudo foi um remendo. Ao longo do ano, muito do que um aluno aprende é fora da escola (fossem todas as aprendizagens feitas no horário escolar!!!). Ao longo dos 2/3 também muitos alunos não tiveram mesa onde estudar, não tiveram divisão em casa com ambiente para aprender, não tiveram, sequer, que comer! E pensamos nisso quando avaliamos em condições normais?
Olá, há opiniões que me fazem alguma confusão. Eu sou professor e normalmente diz-se que:
Os professores querem ter hipótese de decidir nas escolas e não estar sempre o ministério a impor. Os professores são profissionais competentes.
Os professores percebem de educação e ensino.
Por isso não estou a ver qual é o problema destes profissionais saberem e poderem decidir da avaliação dos seus alunos, quer seja à distância ou não.
Agora já não são competentes e profissionais?
Não tem nada a ver com competência, tem a ver com credibilidade do modelo.
Faço parte da comunidade educativa e no que diz respeito à avaliação dos alunos parto do princípio de que todos os docentes fizeram o seu melhor nas circunstâncias especiais, com os recursos e as evidências de que dispuseram ( se assim não foi, isso deve-se a alguns mascarados de docentes incrustados na “paisagem”).
Agora dizer que, à distância, sem observação direta, “se implementaram instrumentos de avaliação muito bons e muito confiáveis” é um excesso de arrogância e presunção que não fica bem aos profissionais docentes.
No meu caso, com alunos do 1.º ano, até tive direito a encarregados de educação que insistiam em “usurpar” as competências dos professores na metodologia, lecionação e avaliação.
A quem se aplicaram os instrumentos de avaliação muito bons e confiáveis? aos alunos ou aos seus acompanhantes?
Quem inventou o conceito de instrumento de avaliação muito bom e muito confiável pode partilhá-los?
Claro que dou a receita, Manuela. Os meus alunos de nono ano realizaram duas fichas de trabalho semanais sob a minha supervisão em sessão síncrona. Os pais também podem ter ajudado em casa a completar. De uma forma geral, em 90% dos casos, claramente, tal não sucedeu. Corrigi-as todas e dei feedback a todos eles, um por um. Enviei, no final, a correçào à turma. Nas aulas de apoio, ajudava a esclarecer as dúvidas e orientava -os da melhor forma. Por isso, as aulas de apoio prolongavam-se imenso. Mas nunca me importei com isso. Assim como também não me importei que os pais ou colgas dos miúdos ajudassem a responder às questões das fichas. Ainda bem! Para avaliar de forma mais objetiva, procedi a uma prova oral individual, após esclarecer em que consistia, os conteúdos temáticos alvo de avaliação e a cotação de cada questão. Correu muito bem! Mais tarde preparei um teste de gramática ( 7 testes diferentes por turma) a realizar, em sessão síncrona, em turnos e com a duração de 15 minutos, findos os quais mo enviaram imediatamente. Não houve tempo para consulta de telemóvel ou manual. Os testes eram curtos e objetivos, mas levaram horas a preparar. Para além disso, cada aluno fez uma apresentação oral sobre um tema que lhe foi atribuído, envolvendo, claro, um trabalho de pesquisa. Simples, mas também trabalhoso, certamente eficaz. Fica a receita.E não houve tempo para mais…