Junho de 2004, algures no baixo Alentejo, decorre um conselho de turma de avaliação e a conversa está quente. Uns são apologistas do chumbo, outros são apologistas da transição. É um clássico entre duas filosofias contrastantes e que estão, estiveram e estarão sempres presentes na escola, em casa e nas altas cúpulas da 5 de outubro.
Lembro-me que nesse dia fui apologista da retenção, pois não acreditava que a transição do aluno levaria a qualquer mudança de atitude perante a escola. Nestas alturas penso sempre no aluno, mas também nos restantes colegas que se esforçaram e mereceram a transição. A política de ciclo é lógica, sim, mas nestes momentos de adivinhação temos de manter os pés assentes no chão, não caindo em crenças ao estilo euromilhões… O sucesso não deveria ser tratado como uma camisola que entra em saldos e que é comprada com dinheiro caído dos
papás céus. Adquirir competências, objetivos, conteúdos, custa e transitar de ano deve refletir um mínimo de esforço, interesse e dedicação. Valores que serão úteis no futuro e que precisam de ser absorvidos até ao tutano e em tempo escolar.
Sobre a diretora de turma, ela era nova, contratada, tal como eu era. Frustrada por constatar que vários alunos iriam ficar retidos, descarrega para o elo mais fraco e que não pertencia à “mobília” (sem ofensa, pois já sou “mobília” e ainda bem) diz… “no dia que fores DT também tu vais lutar pelos teus alunos…”
Aquela frase deixou-me sem reação, ainda era muito “green” nestas coisas da educação e o facto de ter alguma amizade pela colega (até era o secretário) também não ajudou… Porém, ainda hoje me lembro desse momento e só quando fui DT é que deixei de ouvir as marteladas da acusação proferida. Hoje posso dizer que o facto de ser DT não mudou nada em mim, apenas mais alguns cabelos brancos…
Mas isto não é sobre mim, é sobre os DTs e as suas relações com os seus alunos. Considero o DT, um dos cargos mais importantes da escola. Um bom DT pode levar uma turma complicada a bom porto, ser um pilar para os seus alunos e um farol de equidade para os colegas do conselho de turma. Já não falando numa área tão essencial como a relação escola/casa.
Existem dois tipos de DTs, uns mais administrativos, que cumprem com a parte legal e pouco mais, e uns que vão um pouco (muito) mais além. Estes são o porto de abrigo, o líder incontestado e um guia para pais, alunos e também professores. Tive e tenho o privilégio de trabalhar com excelentes Dts, onde alunos mas também pais, deviam agradecer o interesse, dedicação e empenho que permitiu salvar, muitos dos seus filhos.
Mas esta dedicação tem um preço. Muitas vezes a generosidade para com os outros têm um efeito boomerang e são vários os casos de DTs que se deixam levar. Quando dão por ela, tornam-se advogados de defesa ao mau estilo parental de quem não aceita o insucesso dos alunos.
A prova para o que estou a dizer está plasmada na liderança dos conselhos de turma de avaliação, onde uns fazem tudo para que as notas sejam mais “favoráveis”, pressionando colegas a “ponderar” a classificação atribuída, enquanto outros deixam as coisas rolar sem interferir.
Ao nível disciplinar também assistimos a alguns excessos, pondo em causa os critérios utilizados pelos colegas quando os seus meninos transformam-se em diabinhos e vão para o “olho da rua”.
Mas o pior acontece quando o líder sente as dores dos seus pupilos como se fossem suas, o pior acontece quando essas dores transpõem as paredes da escola e entram na esfera familiar, afetando não só a sua vida profissional, mas também pessoal. Alguns não resistem à pressão e aos dramas sociais, dramas esses que deviam ficar contidos nas pomposas tabelas de excel. A capacidade de filtrar e desviar, mantendo a frieza necessária para que a lucidez prevaleça, não é para todos. Já vi professores quebrar à minha frente e eu próprio já levei vários dramas para a almofada onde fechar os olhos foi tarefa penosa…
Ser Diretor de Turma deveria ser um privilégio e não uma dor cabeça, se ser professor é muitas (?) vezes compensador, ser DT deveria ser muito mais. Pena que a tutela não veja este cargo com o merecimento que se exige, pena que os professores DTs, além das suas turmas, testes e burocracias infindáveis, tenham de dar o seu tempo para o tempo dos outros, pena que a vida de DT seja algo a evitar, quando é tão nobre, tão nobre…
Para ti, colega DT, espero que tenhas conseguido calejar a pele e que as dores dos teus alunos não sejam mais as tuas, dores que mais não foram que, dúvidas, incertezas, e receio em não estar à altura, quando na realidade estiveste e fizeste tudo o que podias fazer…
És DT, mas não és, nem nunca serás mãe deles…
“A prova para o que estou a dizer está plasmada na liderança dos conselhos de turma de avaliação, onde uns fazem tudo para que as notas sejam mais “favoráveis”, pressionando colegas a “ponderar” a classificação atribuída, enquanto outros deixam as coisas rolar sem interferir.
Ao nível disciplinar também assistimos a alguns excessos, pondo em causa os critérios utilizados pelos colegas quando os seus meninos transformam-se em diabinhos e vão para o “olho da rua”.”
Creio que neste ponto, o problema não está na função de DT, mas sim no feitio de alguns colegas. Sou DT, e já o fui antes, e nunca, mas nunca me atreveria a questionar critérios ou pressionaria qualquer colega para “ponderar” a nota atribuída. Respeito demasiado os meus colegas e reconheço-lhes o trabalho e a competência. Também sei conhecer os alunos, adoro os meus alunos, os meus meninos (como gosto de lhes chamar, ou então os meus malandrecos), , tal como adorei os alunos de anos anteriores, mas há que saber ter noção de que por vezes, repetir o ano é o melhor para eles, para adquirem as bases. No ano passado, 4 alunos da minha DT reprovaram, fui com eles matriculá-los nas provas de equivalência, ofereci o ombro quando uma das alunas chorou porque acreditava que iria passar… O meu conselho para os meus meninos foi: Não encarem isto como uma derrota, um falhanço, apenas como uma etapa na vossa aprendizagem como seres humanos. Vejam esta retenção como uma oportunidade de virem a ser melhores, mais bem preparados para um 10º ano.
Pressionar os colegas, “obrigar” a que haja melhores resultados é na realidade, enfraquecer os alunos e prejudicá-los.
Claramente TS, o problema está no feitio dos DTs e na forma como estes usam o poder que têm.
“Pena que a tutela não veja este cargo com o merecimento que se exige, pena que os professores DTs” Quando a tutela acha que algo tem interesse (as ciências, o português, a Internet) trata logo de promover acções de formação. Não me lembro, de haver formações para Dt ou sobre direcção de turma.
Algo que devia existir por exemplo na formação de base dos professores.